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quarta-feira, 14 de outubro de 2015

VALENTE: Dilma sobre impeachment: “É um golpismo escancarado” e “Quem tem moral, reputação ilibada e biografia limpa suficientes para atacar a minha honra? Quem?”

Dilma na abertura do Congresso da CUT ao lado de Lula (Foto: Pedro Kirilos)

Por Josias de Souza

Dilma Rousseff não se desespera. Nos momentos em que a vida lhe parece realmente insuportável, ela se desliga da realidade e comparece a uma reunião da CUT. Repetiu a fórmula na noite passada. Numa viagem decidida de última hora, por insistência de Lula, Dilma decolou de uma Brasília em transe e aterrissou num auditório em êxtase. Num Congresso da CUT, em São Paulo, brindou a plateia com um discurso que fez lembrar a candidata de coração valente. Uma personagem bem diferente da presidente que negocia a alma com a grandeza da vista curta.

A dissincronia entre o gogó que se apresentou na CUT e a Dilma efetiva, que dá expediente no Planalto, fez com que a dramaticidade da crise política desse lugar a um cinismo juvenil, quase doce. “A sociedade brasileira conhece os chamados moralistas sem moral”, disse o gogó, num dos trechos mais sublimes de sua fala. “E os conhece, em parte, porque o meu governo e o governo do presidente Lula propiciou e estimulou [sic] o mais enérgico combate à corrupção da nossa história.”

De certa forma, o fim da ilusão de que a honestidade presumida do gogó tivesse alguma utilidade para o governo Dilma gera um alívio. Fica finalmente entendido que Dilma, a exemplo de Lula, é movida por forças inconscientemente antagônicas. Ela é impulsionada por um desejo de pureza moral que tem os pés imersos no óleo queimado do petrolão. Mais ou menos como uma madre superiora submetida aos horrores de um universo sem Deus.

O gogó disse ter uma única certeza: “Nós jamais negociamos ou negociaremos com os malfeitos. Eu me insurjo contra o golpismo e suas ações conspiratórias.” Alvíssaras! É reconfortante saber que aquela Dilma que recebeu o conspirador Eduardo Cunha no Alvorada no início de setembro era uma sósia do gogó que soou na CUT. É animador constatar que o ministro Jaques Wagner (Casa Civil) não falava em nome da chefe quando insinuou para Cunha que o governo poderia ser sua tábua de salvação.

“Quem tem força moral, reputação ilibada e biografia limpa suficientes para atacar a minha honra? Quem?”, desafiou o gogó. Decerto ninguém. Noutros tempos, Lula, que estava ao lado da presidente, talvez se animasse a reivindicar o posto de desafiante. Mas sua reputação aguarda na fila de interrogatórios da Lava Jato e ainda depende das conclusões do inquérito sobre as relações aéreas e monetárias que a biografia ilibada mantém com a Odebrecht.

O gogó disse que o governo Dilma não está parado. “Nós sabemos que existem dificuldades econômicas. E fazemos tudo para que o país volte a crescer”. Bem verdade que tudo parece não querer nada com Dilma. Mas não é por culpa do governo, insinuou o gogó. “Nós precisamos de estabilidade política…” Nesse ponto, a plateia entoou um coro de “não vai ter golpe”. A CUT deseja afastar apenas o ministro Joaquim Levy (Fazenda), não Dilma.

No mais, o gogó e a Dilma efetiva parecem estar muito perto de uma reconciliação. Dilma não depende de ninguém para alcançar a estabilidade política receitada por seu gogó. Noutros tempos, as crises políticas eram provocadas por opositores. Dilma inovou ao produzir ela própria as crises que podem matá-la.

A conivência com os artífices do petrolão rendeu a Dilma uma investigação no TSE sobre a tesouraria de sua campanha; as pedaladas resultaram na rejeição das contas de 2014 no TCU. Fechando a usina de crises que funciona nos porões do Planalto, Dilma talvez consiga até desgrudar a barriga do balcão em que negocia a alma em troca da sobrevivência política.

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