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segunda-feira, 28 de maio de 2012

Entrevista Caio Alencar // "Quando as emoções começam a suplantar a razão, é hora de sair"




Foto: Carlos Santos/DN/D.A.Press

"Eu almejava ser juiz de direito, magistrado, esse sempre foi o sonho da minha vida". As palavras do desembargador Caio Alencar dão a dimensão do quanto ele desejou chegar aonde chegou. Promotor de Justiça por 11 anos, ele assumiu o cargo de desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) em 1984, pelo dispositivo do quinto constitucional. Fez jus à confiança que lhe foi depositada. Foram 28 anos dedicados à Justiça. Na próxima quarta-feira, 30, ele participa da última reunião do pleno do TJRN e deve oficializar sua aposentadoria. Aos 68 anos de idade - ele poderia ocupar o cargo até os 70 anos - ele diz que não tem mais condições de jurisdicionar. "Quando as emoções começam a suplantar a razão, é hora de sair", explica.

Nos últimos meses, o desembargador Caio Alencar se dedicou quase que exclusivamente ao trabalho da comissão de sindicância interna instaurada para apurar irregularidades no setor de precatórios do TJRN. Na presidência da comissão, ajudou a colocar fim no esquema de desvio de recursos do setor de precatórios do TJRN. A comissão coletou documentos que indicaram a participação dos desembargadores Osvaldo Cruz e Rafael Godeiro na fraude e, apesar de sentir que cumpriu sua missão, Caio Alencar afirma, com todas as letras, que não gostaria "de encerrar a minha carreira passando pelo que eu estou passando".

Para uma pessoa que sempre sonhou em ser magistrado, como é vivenciar esse momento de crise do TJRN?

Não é fácil. São permanentes emoções. Afinal, essas pessoas citadas trabalharam comigo vários anos. Só para lembrar, Dr. Osvaldo se sentava à minha direita, Dr. Rafael fui eu que nomeei. Isso me traz um enorme pesar, um enorme constrangimento. Eu jamais gostaria de receber parabéns por isso. Eu não gostaria de encerrar a minha carreira passando pelo que eu estou passando.

Por que o senhor aceitou, às vésperas de se aposentar, o desafio de presidir a comissão de sindicância no caso dos precatórios?

Eu aceitei porque fui convidado e achei que não deveria fugir das minhas responsabilidades como juiz. Se eu fui convidado para isso é porque havia confiança no meu trabalho e eu não poderia desertar. 

O senhor conquistou inimizades à frente deste trabalho?

Eu não sei o que angariei à frente da comissão, mas eu quero lhe dizer que não estou procurando agradar e nem desagradar a ninguém. Todo mundo sabe que a comissão não emite juízo de valor em relação a condutas, apenas coleta material, provas que já estavam pré-constituídas, e encaminha a quem de direito sem dizer: 'fulano de tal errou ou agiu equivocadamente'. Eu durmo tranquilo toda noite porque estou cumprindo a obrigação para a qual eu fui designado.

Como o senhor se sente vendo seu nome citado por Carla Ubarana no escândalo dos precatórios?

Eu acho que, às vezes, tentam atingir a honra alheia até mesmo para desacreditar o trabalho feito com tanta responsabilidade. Essas coisas não me atingem porque quem me conhece, nelas não acreditam. Os amigos têm convicção que não são verdadeiras. Os inimigos, se é que eu os tenho, torcem para que sejam verdade, e os que não me conhecem, pelo menos, me dão o direito da dúvida.

O envolvimento de desembargadores em atos ilícitos vem sendo investigado não só aqui no RN, mas também em outros estados, como SP e TO. O senhor acredita que esses desvios de conduta sempre existiram, mas não vinham à tona?

Não, eu não acho que isso sempre aconteceu. É que hoje, se acontece, vem à tona. Os tempos são outros. A imprensa, por exemplo, tem um papel preponderante nisso. A imprensa denuncia, alardeia, e isso é até um freio para quem tem essa propensão de querer delinquir na sua atividade jurisdicional. Essas coisas hoje são apuradas, passou o tempo em que as coisas iam para debaixo do tapete, hoje tem o CNJ, as corregedorias. Não é uma devassa, mas é que as coisas erradas que se fazem hoje, aparecem. Outros desembargadores do TJRN estão sendo investigados por suposto envolvimento na fraude da inspeção veicular. Tudo o que eu sei sobre isso é através da imprensa. Nada de oficial. Portanto, para mim é como se fosse inexistente.

O senhor também acredita que o TJRN sai fortalecido desse escândalo dos precatórios?

É o óbvio. Existiu a iniciativa de investigar, de apurar, de não jogar para debaixo do tapete. O Tribunal assumiu a posição que deveria ter assumido, constatou irregularidades e apurou as responsabilidades de alguém. Com isso, o Tribunal se credencia, porque se o Tribunal tivesse feito vista grossa você não me faria essa pergunta.

Essa sensação de impunidade que temos no país hoje é um dos fatores que contribuem para a prática de crimes? 

Quando eu estava na faculdade de Direito eu aprendi que a natureza da pena é a de prevenir e a de retribuir: prevenir aqueles potencialmente criminosos para freá-los, e retribuir porque se você delinquiu você vai ter que pagar. Não existe mais isso. Eu sei que os egressos devem ser preparados para o seu reingresso na sociedade, mas aqui no Brasil não é esse clima de aparente impunidade, é impunidade mesmo. Hoje, o sujeito mata, cumpre um sexto da pena e vai para a rua. A pessoa deve ser penalizada pelo mal que cometeu. Dizem que é o mal da pena pelo mal injusto causado pelo agente, não existe mais isso. Nós vivemos em um clima de absoluta impunidade pela brandura do regime penal que impera no Brasil e é preciso algumas mudanças nesse sentido, para que essa delinquência que já é enorme não aumente ainda mais. 

O senhor é tido como um homem rígido. Concorda com essa impressão?

Eu diria que eu sou rigoroso, mas esse meu rigor não faz com que eu deixe de reconhecer o direito alheio. Eu nunca deixei de reconhecer o direito de ninguém. Agora, eu sou cumpridor da lei, a lei é que norteia os meus atos como magistrado, eu não posso nunca deixar de observar o que ela recomenda. E se ela recomenda eu tenho que ser rigoroso, rígido, eu serei. Eu prefiro ser considerado rígido que muito liberal.

O senhor se considera conservador ou liberal? 

Eu sou conservador. Agora, eu acho que em relação a essa matéria penal é preciso que se modernize a lei. Eu já disse: ninguém pode estar eternamente preso, mas a pessoa precisa saber que está presa, que está sem liberdade, porque cometeu um crime e aquele exemplo vai servir aos potencialmente delinquentes que vão saber que se cometerem uma atitude ilícita vão pagar por aquilo. Isso está desaparecendo. É preciso modernizar, a sociedade é dinâmica e o direito deve ser dinâmico também, e acompanhar a evolução da sociedade.

A justiça está sujeita à influência política? 

Eu vou falar por mim. Eu nunca permiti a político nenhum me pressionar. Eu vou lhe dar um exemplo: eu mantenho um bom relacionamento com todos os políticos do RN, sou apartidário, tenho meus candidatos como todos nós, mas eu voto em pessoas, não voto em partidos. Quando o governador José Agripino me nomeou (ao cargo de desembargador) ele havia decretado a intervenção do município de São Gonçalo do Amarante. João Medeiros Filho, que era um grande advogado, entrou com um pedido de liminar para suspender os efeitos da intervenção, alegando cerceamento de defesa. Naquela época não tínhamos assessores, éramos nós que fazíamos tudo. Então eu levei o processo para casa para estudar. E aí recebi um telefonema de uma pessoa do governo pedindo que eu recebesse o procurador do estado para discutir o processo, e eu disse que poderia recebê-lo dois dias depois porque, naquele momento, eu estava justamente estudando o processo. Concedi a liminar e suspendi os efeitos do decreto. Eu acho que não fazia um mês que eu tinha sido nomeado. Nunca permiti - e acredito que os outros também não - que interferência política pudesse me levar a qualquer decisão.

Qual sua opinião a respeito do foro privilegiado?

Eu não conheço foro privilegiado, eu conheço prerrogativa de foro. Eu diria a você que não é uma coisa boa. Começa que você fica perdendo logo duas instâncias ou três. Por exemplo, no caso do senador, que vai direto para o Supremo Tribunal Federal (STF), ele perdeu a primeira instância, o TJ, o Superior Tribunal de Justiça, e foi direto para o STF. Não é uma coisa boa. 

Existe um olhar diferenciado para quem é nomeado pelo Quinto Constitucional para quem é magistrado de carreira?

Eu diria que existiu. Hoje, se existe, é uma coisa muito atenuada. E eu vou um pouquinho mais além. Na minha vida profissional eu descobri duas coisas que eu vou dizer no dia que eu me despedir daqui: juiz nasce juiz. O juizou é ou está juiz. Quando ele está juiz ele está ocupando o cargo com as suas funções e atividades. Juiz de verdade é aquele que sente a atividade, que se sente útil, que se sente o elo entre as pessoas que precisam dirimir conflitos. O juiz que está ali para receber o subsídio, apenas ocupando o cargo, isso não é juiz. Juiz de carreira tem carreira até no nome e não é juiz, é juiz concursado. João Carlos da Rocha Mattos, juiz federal concursado, estava juiz, não era juiz. Sabe quem é juiz? Seabra Fagundes, José Fernandes Filho. Francisco Pereira de Lacerda era juiz concursado, não era juiz, estava juiz. Emilson Formiga, que nós aqui afastamos da magistratura, era concursado e estava juiz, não era juiz. O juiz nasce juiz, ele vibra, ele se sente útil, isso que é importante.

O que levou o senhor à decisão de antecipar sua aposentadoria?

Essa é a segunda coisa que eu descobri no exercício da minha profissão. Não deveria existir nenhuma lei que diga que você só pode jurisdicionar até os 70 anos ou 75 anos. Ojuiz pode jurisdicionar até 100 anos, contanto que ele tenha bom senso e discernimento. O que comanda o juiz é o bom senso. No meu caso, eu ainda teria aqui um ano e seis meses para ser juiz, mas eu não tenho mais condições. Quando o coração, as emoções, começam a suplantar a razão, é hora de sair. Quando alguém começa a derramar lamúrias, emoções, e você começa a absorver isso, você não tem mais condições de jurisdicionar porque você está se deixando levar pelo emocionalismo. Eu não quero dizer que o juiz deva ser um homem frio, afinal o juiz é humano, ele tem suas emoções, mas essas emoções não podem suplantar a razão. O que regula a atividade jurisdicional é o bom senso, não é a lei que diz que com 70 anos o juiz deve se afastar.

O senhor deixa o TJRN com a sensação de dever cumprido?

Deixo o Tribunal com a sensação de ter cumprido o meu dever e jamais ter me afastado do juramento que fiz ao assumir o cargo de desembargador. Saio dormindo todas as noites com a consciência tranquila.

O que o senhor pretende fazer quando se aposentar?

Dizem os chineses que o homem para ser feliz deve plantar uma árvore, ter filhos e escrever um livro. Não vou advogar. Se por ventura houvesse convite para exercer um cargo público, por mais honroso que fosse, eu não aceitaria. Então, eu acho que tenho que escrever um livro. Na minha vida de magistrado eu tenho que pesquisar muita jurisprudência, muita doutrina, e nessas pesquisas eu encontrei umas coisas interessantes. Encontrei votos plagiados, discursos plagiados, tudo isso eu tenho, e pretendo escrever no meu livrinho. 

FONTE: DIARIO DE NATAL 




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